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Cracolândia: por que não as narcosalas, experiência a a partir de Frankfrurt está se espalhando pela Europa?

Artigo de Walter Maierovitch, de julho/2011, na Revista Carta Capital.
http://www.cartacapital.com.br/politica/cracolandias-a-hora-das-narcossalas/

O  Brasil  continua  mergulhado  nas  trevas  e  demora  em  adotar  medidas  eficazes  para  contrastar  o fenômeno sociossanitário representado pelo crack, cujo consumo se espalhou pelas cidades brasileiras. Diante  desse  quadro,  com  prefeitos  e  governadores  despreparados,  o  governo  federal  anunciou,  em fevereiro deste ano, um acanhadíssimo projeto de centros regionais de referência, e isso para capacitar 15 mil profissionais de saúde em 12 meses.

O desatino maior deu-se na capital de São Paulo, onde o prefeito Gilberto Kassab já promoveu, com o auxílio da polícia, a internação compulsória de usuários frequentadores da Cracolândia, localizada na degradada zona  central.  Depois de  obrigados  a  se  desintoxicar  em  postos  de  saúde,  os  dependentes voltaram rapidamente à Cracolândia para novo consumo. Quanto à polícia paulista, revelou-se incapaz de interromper a rede dos seus fornecedores de crack.

No momento, Kassab pensa em uma segunda overdose de desumanidade, e o Rio de Janeiro, com falso discurso humanitário, repete, em essência, a fórmula piloto do alcaide paulistano, ou seja, internações compulsórias para desintoxicação. Kassab vem sendo contido pelo secretário para Assuntos Jurídicos, que parece ter percebido a afronta à liberdade individual, constitucionalmente garantida.

Como o prefeito sonha com a reurbanização do centro da cidade, os usuários de crack viram um estorvo para  a  concretização  de  sua  meta.  E quando  colocada  a  Polícia  Militar  em  ronda  permanente  pela Cracolândia, os consumidores, em farrapos, migram para o vizinho bairro de Higienópolis, tido como aristocrático.  Kassab  sofre,  então,  a  pressão  de  uma  classe  social  privilegiada,  que  não  suporta  nem estação  de  metrô  no  bairro,  por  entender  inconveniente  a  presença  dos  não  residentes.  Mais  ainda, muitos higienopolistas reagem, quando topam com um drogado, como a desejar uma solução tipo Rio Guandu, época do governo Carlos Lacerda no Rio.

Diante das multiplicações das cracolândias, o governo federal tarda em ousar e partir para a adoção de

narcossalas,  também  chamadas  de  salas  seguras  para  consumo.  Até o Nobel  de  Medicina,  Françoise Barre Simousse (isolou o vírus HIV-Aids), preconizou a adoção de narcossalas na França, em face da resistência do direitista presidente Nicolas Sarkozy, que prefere a cadeia para os usuários, como FHC e Serra nos seus governos.

A respeito, o Conselho Municipal parisiense tenta derrubar a proibição de Sarkozy e está pronto para

implantar  uma  narcossala  piloto  em  Paris. Para os  membros  das  respeitadas  e  francesas  Associação Nacional  para  a  Prevenção  do  Álcool  e  das  Dependências  (Anpaa)  e  Associação  para  a  Redução  de Riscos  (AFR),  a  “história  epidemiológica  e  a  experiência  clínica  demonstram  que  o  projeto  de  uma sociedade  sem  consumo  de drogas é  ilusório. As  posturas  proibicionistas  e  repressivas  são  inócuas. Isso porque a cura raramente se dá apenas com a abstinência”. A abstinência, frisaram, causa exclusão.

Ou seja,  afasta  dos  sistemas  de  proteção  e  de  acompanhamento  uma  parcela  frágil  e  frequentemente marginalizada de consumidores de drogas. Barre Simousse recomenda a adoção da política  de Frankfurt implementada  em 1994,  ao  enfrentar o problema  representado  por  6  mil  drogados  que  vagavam  pelas  ruas.   A  experiência  espalhou-se  por outras oito cidades alemãs e vários países-, como Suíça e Espanha, aderiram aos ambientes fechados de consumo. Nos EUA, existem salas seguras para uso de metadona, droga substitutiva à heroína. Com as narcossalas de Frankfurt, o número de dependentes caiu pela metade até 2003. Os hospitais e os postos de saúde, antes delas, atendiam 15 casos graves por dia, com um custo estimado de 350 euros por intervenção.

O sistema  alemão  de  Frankfurt  oferece  acolhida  aos  que  vivem  marginalizados  e  em  péssimas condições de saúde e econômicas. Sem dúvida, virou uma forma de aproximação, incluindo cuidados médicos, informações úteis e ofertas de formação profissional e de trabalho. Nas oito cidades alemãs e entre os usuários dos programas de narcossalas, caiu o índice de mortalidade em virtude da melhora da qualidade de vida. E pesquisas anuais sepultaram a tese de que as narcossalas poderiam estimular os jovens a ingressar no mundo das drogas.

As federações do comércio e da indústria alemãs apoiam os programas de narcossalas com 1 milhão de euros.  E  ninguém  esquece  a  lição  do  professor  Uwe  Kemmesies,  da  Universidade  de  Frankfurt: “Podemos reconhecer que a oferta de salas seguras para o consumo de drogas melhorou a expectativa e a  qualidade  de  vida  de  muitos  toxicodependentes  que  não  desejam  ou  não  conseguem  abandonar  as substâncias”.

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